quinta-feira, 7 de junho de 2007

PRIMEIRO EXILADO DA VIOLÊNCIA URBANA EM NOSSO BLOG!

Conheci o Sociólogo Caio Ferraz logo depois da Chacina que abalou o mundo em Vigário Geral. Estivemos juntos em vários momentos, culminando com o convite que me fez, quando já estava no exílio, para assumir a direção da Casa da Paz em Vigário Geral. Também fui ameaçado, como Caio, porém nossos caminhos foram diferentes. Já fazem mais de dez anos que tudo isso aconteceu e o mundo deu muitas voltas. O que não mudou foi o estado de miséria de nossas favelas, bem como o descaso do governo e das elites que dominam esse país. Acabo de receber o texto abaixo, do exílio: Caio Ferraz, primeiro exilado da violência urbana, enviou-o para o nosso blog. Aqui é só a ponta do iceberg do que está por vir em seu livro que será lançado em breve.



Quem quiser interagir poderá fazer através da comunidade do CAIO FERRAZ no orkut.






ELITE ESTERILIZADA



Infelizmente é trágico reconhecer que o seqüestro e toda forma que o sustenta — assaltos, drogas, armas, corrupção policial e falência do sistema judiciário — não é só mais uma modalidade de crime, mas sim a revanche de jovens que sabem que aqueles que nascem e crescem na periferia dos grandes centros urbanos estão fadados ao subemprego e a humilhação de não terem o que comer e onde morar.

Os seqüestros assustam os ricos porque eles estão sentindo na pele a merda que fizeram ao tornar o Brasil um país industrializado, mas que em contrapartida, também o transformou no país campeão em concentracão de renda, fome, analfabetismo, miséria e num dos mais corruptos do planeta. É com a mistura de todos esses ingredientes que temos o fermento necessário para a explosão da violência.

Somos uma nação imersa numa infertilidade histórica que dura mais de 500 anos. Nossa formação remonta um verdadeiro aborto social. Iniciamos nossa cópula com a compra de milhões de escravos que serviram como mão-de-obra forçada até 1888; do estupro e massacre dos cerca de 5 milhões de índios que aqui viviam por volta de 1500 e da mistura de portugueses degredados. Enquanto essa orgia deu os frutos necessários para a manutenção da pompa e do desperdício de uma elite que vive ainda hoje na farra com o dinheiro do povo, os menos privilegiados foram e continuam sendo considerados os únicos culpados por todas as desgraças sociais existentes.

Dizem que o problema da violência é a pobreza. Concordo: pobreza de espírito aliada a falta de solidariedade, humanidade, fraternidade e acima de tudo de sentido de nacionalidade, mas não por parte dos pobres e sim por parte dessa elite acéfala e autoritária.

Alguns anos atrás foi Fernando Ramos da Silva, o finado Pixote. Ontem foi Fernadinho Beira-Mar. Hoje é a vez de Fernando Dutra Pinto. Três jovens, três nomes em comum inseridos numa história de final trágico como em tantos outros milhares de casos de jovens rejeitados por um país que tem uma elite esterilizada. Coincidentemente foi do seio dessa elite que surgiram dois abortos intelectuais chamados Fernando: um como presidente seqüestrou nossa poupança e o outro seqüestra diariamente todas as nossas formas de energia, deixando-nos numa caverna cheia de fantasmas chamados Sérgio Naya, Celso Pitta, Maluf, ACM, Lalau, Luis Estevão, Jader Barbalho e toda essa corja de gravata.

Enquanto “os filhos dessa pátria mãe gentil” continuarem sendo gerados numa relação onde quem goza são os ricos, nós pobres seremos sempre os filhos indesejados, os quais foram feitos na hora de um pileque. Talvez seja por isso que a elite tenha tanto nojo da gente.

A elite brasileira se comporta como o pai que sempre esteve ausente e que nunca reconheceu o filho que tinha. Somente agora depois de um exame de DNA — traduzindo: Desespero, Negligência e Aflição — vê-se obrigada a compensar o tempo perdido. Mas ao invés de dar todo o suporte moral, econômico e social a seus filhos, acena com programinhas do tipo Comunidade Solidária, Viva Rio, Criança Esperança, Quota Racial. Com esses paliativos pretendem reparar a histórica divida de abandono de seus filhos. Não é pão e circo que queremos, mas sim amor, carinho, respeito e uma condição mais digna de vida. Só assim nós poderemos ser filhos de uma pátria, não de uma nação estuprada, assaltada, humilhada, rejeitada e que apanha como puta.

Ou nossa elite chega a idade fértil e faz brotar um novo Brasil, onde seus filhos terão educação de qualidade, saúde, saneamento básico, empregos com salários dignos, moradia, acesso à justiça de forma igualitária, reforma agrária, distribuição de renda com taxação das grandes fortunas... ou então a fábrica de fazer bandidos continuará em pleno vapor gerando filhos indesejados que mancharão com o sangue da vergonha nossa ufanista bandeira que ironicamente cunha a frase: “Ordem e Progresso”.

Caio Ferraz*

*Sociólogo, 38 anos, nascido e criado na favela de Vigário Geral, RJ, foi o fundador da Casa da Paz de Vigário Geral. Recebeu, entre outros, o Prêmio Severo Gomes de Direitos Humanos da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos e do Núcleo de Estudos da Violência da USP, em 1995. Encontra-se exilado nos EUA desde dezembro de 1995.

2 comentários:

Anita Deak disse...

Realmente é uma vergonha. E infelizmente para melhorar o que precisamos é de uma mudança de mentalidade. Dos que exploram, dos que sofrem, de todos nós. Trabalhar com a área social é duro pq o trabalho é de formiguinha. Somos poucos, assim como o Caio, mas ainda acredito que podemos fazer a diferença! Abçs, Ana Rita

CARLOS DE QUEIROZ disse...

Estudei Ciências Sociais na UFRJ, na mesma sala do Caio Ferraz. Além de muito capaz, era muito amigo e tratava a todos com cordialidade. Tenho saudades...
Passem no meu blog, ok?

www.tribunadorio.blogspot.com

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