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Aldridge NetoNeste ano fui convidado para me tornar o secretário-executivo da CASA DA PAZ de Vigário Geral. Em abril de 1997 a incursão da polícia ao Morro Santa Marta foi notícia de jornais[1], com destaque para as portas derrubadas, moradores assustados e submetidos a constrangimentos ilegais. Ainda desta vez me manifestei ao ser agredido durante a operação da polícia, comparecendo ao 2ª BPM para conversar sobre o DPO na favela. Nesta ocasião, alertei as autoridades acerca do papel da polícia no morro, tendo sido recebido pelo comandante como um cidadão pertencente àquela comunidade.
Outro caso que ganhou espaço inclusive no noticiário internacional – REUTERS e BBC de Londres, entre outros - e no relatório da ONU, foi o do surfista Wagner Marco da Silva, também do Morro Dona Marta, baleado pela PM na cabeça e no estômago em 1997. Na época intervimos, fazendo com que o caso tomasse o vulto necessário, e criando os meios para que a família pudesse ser assistida juridicamente pelo Dr. Nilo Batista, que assumiu a defesa do caso, dando a ele a devida dimensão.[2]
Em agosto do mesmo ano, como secretário executivo da CASA DA PAZ, organizei uma caminhada de 15 quilômetros, saindo de Vigário Geral indo até a Candelária, onde seguíamos carregando 21 caixões de madeira em alusão aos 21 trabalhadores assassinados na chacina. Tal ato visava manter vivo na memória da população o episódio, bem como o desagravo em torno da impunidade face ao crime hediondo e o descaso do Estado no que diz respeito à indenização dos familiares das vítimas. O nome dos 21 trabalhadores assassinados foi estampado nos 21 caixões depositados em frente ao Palácio Guanabara.[3] [4] [5] [6]
No dia 30 de dezembro o réu da chacina de Vigário Geral, foge do presídio de Água Santa. Sua fuga coincidiu com uma ameaça de morte que recebi via telefone, feita por uma voz de homem não identificada. Deu-me 48 horas para sair de Vigário Geral, caso contrário “o cerol vai comer”, dizia ele. Registrei queixa na mesma tarde e recebi apoio do deputado Carlos Minc, com um pedido de garantia de vida ao secretário Nilton Cerqueira. [7] [8] [9] [10] Como resultado de ameaças e pressões, vi-me obrigado a abandonar o projeto e me afastar do local.
Foto: Aldridge Neto
O trabalho da CASA DA CIDADANIA que desenvolvíamos nesta época, se sustentava baseado na possibilidade não de uma cidadania dada por aqueles que “sobem”, mas conquistada por aqueles que estão nas comunidades. Vários projetos surgiram como fruto deste primeiro movimento, tendo sido realizados com sucesso. Entre eles podemos destacar o CURSO DE FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS, em parceria com a UERJ, o projeto OLHARES DO MORRO, que depois se tornou uma ONG. Porém o que para mim adquiriu destaque particular, me fazendo sonhar desde 1997, foi a ANF-AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS.[11]
[1] GONÇALVES, Elaine. Quatro anos de impunidade. Jornal O Dia, sábado, 30 de agosto de 1997. p. 2 [2]http://www.dpf.gov.br/DCS/editados/clipping/setembro/CS_14_de_Setembro.rtf [3] FOLLETO, Márcia. Moradores de vigário Geral levam 21 caixões pelo Rio para lembrar chacina. O globo, sábado, 30 de agosto de 1997. p.22. [4] GAGLIANONE, Elaine. Quatro anos de impunidade. Jornal O Dia, sábado, 30 de agosto de 1997. p.2
[5] Moradores de Vigário Geral protestam em frente ao Palácio Guanabara. Tribuna da Imprensa, sábado e domingo, 30 e 31 de agosto de 1997.
[6] VARSANO, Fábio. A marcha incompleta. Jornal Cidade, sábado, 30 de agosto de 1997. p. 21 [7] NUNES, Angelina e BOECHAT, Elba. Réu da chacina de Vigário Geral foge do presídio de água Santa pela porta. O Globo, terça-feira, 30 de dezembro de 1997. p. 18.
[8] A botina da arbitrariedade. Jornal do Brasil, terça-feira, 30 de dezembro de 1997. p. 16.
[9] MELO, Adriana, ARARIPE, Ana Paula, PORTUGAL, Fernanda. Matador de Vigário Geral está na rua. Jornal O Dia, terça-feira, 30 de dezembro de 1997. p. 12.
[10] Foge mais um ex-PM da chacina. Jornal O Dia, terça-feira, 30 de dezembro de 1997. p. 12.
[11]ROCHA, Carla. A miséria encaixotada há uma década. O Globo, 04/05/1997.
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A MISÉRIA ENCAIXOTADA HÁ UMA DÉCADA
Moradores do Dona Marta, em plena Zona Sul, vivem em containeres improvisados desde 1988
Encaixotada, vivendo num container de zinco, onde a temperatura chega a 50 graus no verão, a servente Maria do Socorro Ferreira Soares, de 30 anos, cria os quatro filhos em seis metros quadrados. Há quase dez anos, ela cuida de suas eventuais queimaduras nas chapas quentes que fazem a vez de paredes e das pneumonias típicas de lugares insalubres. Ao todo, sete famílias vivem em condições subumanas no Morro Dona Marta, dentro de containeres, aguardando as casas populares prometidas pelo município aos moradores retirados de áreas de risco após os deslizamentos de terra provocados pelas chuvas em 1988. O aniversário de uma década de esquecimento será comemorado, este ano, em grande estilo: a Casa da Cidadania, que acaba de ser criada para dar assistência jurídica aos moradores da favela, vai mover uma ação na Justiça exigindo uma solução para o problema.
Idéia é criar outras instituições semelhantes na cidade
A falta de conhecimento da população pobre sobre seus direitos de cidadão inspirou a formação da Casa da Cidadania. A idéia é que, dentro em breve, cerca de dez instituições semelhantes passem a funcionar em morros do Rio. A empreitada não começa no Dona Marta por acaso. Durante três anos, entre 1993 e 96, André Fernandes, assessor do pastor Caio Fábio na Fábrica da Esperança, trocou uma vida confortável de classe média por um barraco no morro. E não deixou que a estada se limitasse a ser uma experiência politicamente correta. No morro, André tornou-se, fundamentalmente, um morador. Graças a seu conhecimento do lugar, sabe-se hoje que o Dona Marta pode ter uma população de até 12 mil habitantes. Número bem diferente das estatísticas oficiais que contam pouco mais de 4 mil.
Foto: Aldridge Neto
Muitas dessas pessoas parecem conformadas com a própria sorte. Maria Beata Vítor, de 48 anos, é outra moradora dos containeres. Sob o teto de zinco, arrumou seu único cômodo, com cortina, espelhos e vaso de flor. Ela nunca procurou a Prefeitura para cobrar a casa de verdade que lhe fora prometida. Talvez pelo mesmo motivo que leva a servente Maria do Socorro a nunca reclamar da situação em que vive, apesar da miséria:
Foto: Aldridge Neto
- Pior é que a gente ainda tem que dar graças a Deus por ter esse cantinho aqui. Já pensou se tivéssemos que morar embaixo de um viaduto, como tanta gente que sofre nesta cidade?Após o deslizamento ocorrido em 1988, Maria do Socorro foi incluída na lista das pessoas que moravam em áreas de risco no Dona Marta. Com o marido, ela foi orientada a deixar o barraco de sala e quarto e se instalar, provisoriamente, num container montado pela Prefeitura. O improviso não deveria durar mais de seis meses, mas está prestes a completar dez anos. No container, ventilado por duas janelas e alguns buracos de bala, Maria do Socorro acabou tendo os filhos. O mais velho tem 9 anos de idade.
- A maioria dos moradores aqui desconhece completamente os seus direitos. Isto se reflete na qualidade de vida que eles levam. Outro dia, em plena Zona Sul da cidade, fomos procurados pela mãe de uma criança totalmente desidratada com 1 ano e 3 meses que parecia um bebê de colo - conta André.
Além de assistência jurídica, a Casa da Cidadania também deverá promover atividades educativas e desenvolver uma agenda voltada para a prática de esportes. Outro projeto que será iniciado com a ajuda dos moradores será a criação de uma agência de notícias no Dona Marta que concentraria informações sobre todas as favelas do Rio.
Fonte: ROCHA, Carla. A miséria encaixotada há uma década. O Globo, 04/05/1997.