O texto que estou publicando hoje é da autoria da poeta e artista Gisele Cesar, uma amiga-irmã de Caminhada.
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“Eu queria não sentir esse desejo de rebelião, eu queria abrir um canto que não soasse como o estrondo de um canhão.
Eu queria saber das bocas macias que me provocam o gosto desconhecido do amor e com meus pés descalços marcar fundo a história da terra deste chão.
Eu gostaria de entoar uma canção impatriota que falasse de todos os crimes que não cometi e que contasse dos casos dos bandidos que cheiram sem nariz.
Eu queria por um triz escapar do bem e do mal e viver à margem da escola nacional.
Eu queria te contar que os ruídos corroem o que não se pode ouvir e que as bocas só falam da TV o que se deve concluir.
Mas no Brasil com Z já não se sabe mais sambar o carnaval.
Eu queria olhar as crianças sem fuzis e cuspir do prato a fome que não comi, eu queria te contar como nasci, vendendo cola e registrando a marca da navalha com que me feri.
Eu queria que esse ódio no olhar embalasse o berço de ouro das crianças de Copacabana e no morro, no momento seguinte os meus nove anos, eu já fizesse vinte quadrilhas de corpos no chão.
Sou assim, sem correr perigo, um pesadelo civil, um umbigo, um menino, o teu pior inimigo.”
Depoimento dado por José Lúcio Clemente, vulgo “passinho”, ao delegado de polícia da FEBEM, por ocasião de sua apreensão por porte ilegal de armas e tráfico de drogas.
Passinho foi encontrado morto nesta madrugada com dois tiros na cabeça, a polícia suspeita de queima de arquivo, pois o menor, apesar de pouca idade, se movimentava com destreza pelas ruas da vadiagem da favela onde morava.
Gisele Cezar
Maringá, setembro de 2007.
“Eu queria não sentir esse desejo de rebelião, eu queria abrir um canto que não soasse como o estrondo de um canhão.
Eu queria saber das bocas macias que me provocam o gosto desconhecido do amor e com meus pés descalços marcar fundo a história da terra deste chão.
Eu gostaria de entoar uma canção impatriota que falasse de todos os crimes que não cometi e que contasse dos casos dos bandidos que cheiram sem nariz.
Eu queria por um triz escapar do bem e do mal e viver à margem da escola nacional.
Eu queria te contar que os ruídos corroem o que não se pode ouvir e que as bocas só falam da TV o que se deve concluir.
Mas no Brasil com Z já não se sabe mais sambar o carnaval.
Eu queria olhar as crianças sem fuzis e cuspir do prato a fome que não comi, eu queria te contar como nasci, vendendo cola e registrando a marca da navalha com que me feri.
Eu queria que esse ódio no olhar embalasse o berço de ouro das crianças de Copacabana e no morro, no momento seguinte os meus nove anos, eu já fizesse vinte quadrilhas de corpos no chão.
Sou assim, sem correr perigo, um pesadelo civil, um umbigo, um menino, o teu pior inimigo.”
Depoimento dado por José Lúcio Clemente, vulgo “passinho”, ao delegado de polícia da FEBEM, por ocasião de sua apreensão por porte ilegal de armas e tráfico de drogas.
Passinho foi encontrado morto nesta madrugada com dois tiros na cabeça, a polícia suspeita de queima de arquivo, pois o menor, apesar de pouca idade, se movimentava com destreza pelas ruas da vadiagem da favela onde morava.
Gisele Cezar
Maringá, setembro de 2007.