sexta-feira, 6 de julho de 2007

VISTA A CAMISA DA ANF-AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS

VISTA A CAMISA DA ANF-AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS








quarta-feira, 4 de julho de 2007

OS MORTOS JÁ NÃO DESCANSAM MAIS EM PAZ

Quando comecei meu curso de jornalismo(Maringá-PR), um rapaz da minha sala me perguntou acerca de uma entrevista que eu havia dado na Universidade um ano antes de ingressar na mesma. A entrevista foi concedida aos alunos, na época, do segundo ano. Confesso que fiquei intrigado na hora, pois a entrevista era só para os alunos, que prometeram que só utilizariam para a fins acadêmicos, sem a divulgação da mesma. Pensei: Como esse cara sabe dessa entrevista? O fato é que Willian, apesar de novo, tem o jornalismo na veia. E como diria Caco Barcellos, sem essa de que é jornalismo investigativo, pois todo jornalismo tem que ser investigativo. Hoje estou publicando um texto de Willian Yudi, da minha turma de jornalismo.

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Os mortos já não descansam mais em paz


“Uma disputa entre facções criminosas pelo controle de pontos-de-venda de drogas espalhou pânico na zona norte do Rio de Janeiro, com pelo menos 13 criminosos mortos, 11 presos e três pessoas atingidas por balas perdidas - uma delas dentro de um ônibus. Tiroteios se espalharam por várias ruas do Catumbi e ocorreram, inclusive, em um cemitério, aterrorizaram dezenas de pessoas que velavam seus parentes.” Folha de S. Paulo – 18/04/2007

Às vezes eu acho bom não enxergar o mundo. Deve ser horrível acordar todos os dias e verificar cenas de homicídios e atos terroristas nos jornais. Vivo numa sociedade que dizem ser contemporânea e moderna, porém, considero-a primitiva demais.

Estou a caminho do velório de meu amigo, que morreu ontem, vítima de uma bala perdida, enquanto voltava ao trabalho. Eu só consigo ouvir os gritos da população, que se reprime em meio a tudo isso. Minha cidade está de luto, completamente perdida em suas ações. Vou caminhando em passos lentos, o mundo hoje está escuro demais.

À minha frente sinto que quase ninguém mais anda por aí, sozinho e desprotegido. As crianças já não dão seu colorido às ruas da cidade – medo de seqüestro, proteção dos pais. Sinto cheiro de pólvora no ar, o que me faz crer que uma quadrilha está em plena fuga dos policiais após ter assaltado o banco ali da esquina. Vou andando, não há nada que eu possa fazer.

Penso em como me tornei tão invulnerável em relação a esse caos, estou indefeso e sem mecanismos para reagir. Já não enxergo mais nada. Vou seguindo minha direção, ao passo que um casal discute aos berros na calçada e um canto insuportável de buzinas me faz sentir que o trânsito é o verdadeiro inferno da modernidade.

E, quando finalmente chego ao velório, todos estão aterrorizados, pedindo a Deus por proteção. Até lá os tiroteios haviam chegado. Nem os mortos descansam mais em paz – não conseguem ter a dignidade de serem enterrados de forma justa, diferentemente daquela em que viviam nesse mundo tomado pelo caos. Minha sociedade está em óbito, perdeu seus valores sociais.

É em meio a tudo isso é que eu me considero estar a salvo, livre de presenciar tamanhas opressões e atrocidades. Nasci cego, não tenho visão para enxergar todas essas cenas bárbaras que ocorrem em minha sociedade. Mas eu sinto, sinto que ela está morta e sem coragem de enfrentar tamanha violência. E é por isso que eu digo que o mundo de hoje está de luto, vestindo o preto que se contenta em calar a humanidade.

Não deu na GRANDE mídia...

SOCIEDADE DIZ BASTA!

Já passam de duzentas e cinquenta o numero de assinaturas de professores universitários, pesquisadores, acadêmicos em geral e organizações diversas, se posicionando contra a política encaminhada pelo governo do estado no Morro do Alemão nos últimos dois meses com vistas a combater o tráfico de drogas.

terça-feira, 3 de julho de 2007

A BARBÁRIE HUMANA

Não param de chegar na minha caixa de e-mails textos que falam sobre a violência no Rio de Janeiro. A população já não aguenta mais tanta barbárie, como é o caso de Guilherme Vargues, doutorando pelo IUPERJ e colaborador da ANF. Ainda essa semana publicarei também outros textos de pessoas que querem um basta!
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A BARBÁRIE HUMANA
Os recentes acontecimentos, de uso "selvagem" da maquina policial contra as populações carentes do Rio de Janeiro não pode passar em desapercebido: trata-se de uma reedição contemporânea do mito das classes perigosas. Tem por trás de si um recurso ideológico que precisa ser denunciado: a indesejável presença de excluídos no pactode integração urbana, legitimado por Estado e sociedade em nossa cidade. Ressurgem as sentenças de classe e com elas o estigma da marginalização.

Na cidade do capital, impera o ressentimento e a culpabilização do indivíduo, que torna-se a tese de Lambroso, isto é a idéia de que existe um indivíduo delinqüente nato, colocando sobre ele a culpa de uma crise que é estrutural, que responde muito mais a políticas públicas, dentro dos limites da democracia de mercado, do que uma incapacidade de inscrição cidadã dos moradores das favelas cariocas.

Sob a égide de um comportamento ideal sentenciamos o "diferente", o de"cor", de comportamentos e hábitos "vulgares", de gosto duvidoso para a etiqueta, de palavreado "chulo" como o provável bandido. Apesar destes frequentarem nossas casas (na qualidade de domésticas), serem"quase" da família quando empregados, serem excelentes "quituteiros", dançarinos e bons de batucada são visto como presença indesejável na cidade desde sua tentativa fracassada de se tornar Paris por volta de1920, nos tempos da reforma "higienizadora" de Pereira Passos.

Os recentes avanços da discussões raciais, dos direitos humanos, das políticas de ação afirmativas como as cotas são fruto das lutas históricas de oprimidos de todo o planeta. A beligerância entra em crise na opinião pública, mesmo quando potências mundiais ainda escolhem essa ação. ONG's de todo o planeta proliferam-se pela América Latina, com bandeiras como ecologia, afirmação positiva, e integração social. A sociedade civil abandona as tradicionais táticas de remoção e pensa a favela como problema social, mesmo que este tenha sido fruto dos problemas históricos apresentados por estes moradores ao restante da sociedade, questões que foram colocadas em debate, seja pela ação de mediadores, ONG's, imprensas, seja pela ação de movimentos culturais, ou mesmo por manifestações diretas nas ruas, desde atos pacíficos até quebra-quebra de ônibus.

Hoje são inúmeros os programas que atuam dentro das favelas. Associações de moradores, ONG's, programas públicos de capacitação de renda, inúmeras formas de assistencialismo e etc. Estes programas ampliam o debate sobre o pacto urbano, e é visível que a sociedade não pode mais neglicenciar o problema. Mesmo que de maneira muito precária a cidadania e a noção de direitos começa a fazer parte da pauta política dessas sociedades, e isso tem muito tempo. Entretanto o pobre, só recebe do Estado e da filantropia assistência passa a viver no fio da navalha, ora "brasileiro" (aquele que não desiste nunca), ora "violento", tipo social dotado de maldade e de anarquia. Note aqui que o perigo maior é não dizer que o tipo social violento é somente fruto da sociedade que o edifica, mas também associado a termos como irrecuperável, este debate não pode ser considerado ainda ultrapassado pelo motivo de que ele é um dos principais bastiões da redução da menoridade penal.

A punição aparece como a benção da sociedade civil aos pecadores do pacto urbano, os pecadores de sempre, os batedores de carteira de sempre, os camelôs de sempre, os acomodados e desempregados de sempre, aos não batalhadores de sempre. Sempre pobres, sempre pobres que quando pouco conseguem algo na vida é ser mais ou menos explorado por um extrator de mais valia de plantão.

Não se trata mais de culpabilizar o indivíduo pela cor da pele. Não setrata mais de dizer que cidadania escassa recupera ou mesmo acomoda os excluídos do direito à cidade. Trata-se de afirmar com todas as linhas que somente inclusão social efetiva e uma larga redemocratização do espaço político e social urbano pode promover alguma repactuação à cidade barbarizada.

Digo isso, porque enquanto enxugamos gelo, a elite conservadora de plantão não para de agir e voltar a cena com seus ideais conservadores sobre raça e classe. Foi ai que a polícia do Sérgio Cabral agiu, decretou pena de morte a um grupo de aproximadamente vinte jovens vinculados ou não com o tráfico.

"Ocupou" com sangue a comunidade. Essa é a lamentável ocupação do público nas favelas. Repressão e mecanismos de vigilância, escolas fechadas e postos de saúde destruídos.

Matamos mais que países em guerra civil. Nossos hospitais recebem vítimas da violência em números mais elevados que países em guerra.

Nesse momento valorizar a vida é valorizar o ser humano, e ao que acumulamos na história da humanidade, esquecendo a falácia ideológica da direita conservadora, valorizar o ser humano é viver em uma sociedade mais justa e fraterna , não só com as diferenças , mas justa frente a desigualdade, uma sociedade onde o homem não explore o homem, ou pelo menos não o barbarize, não o impeça de exercer seus direitos políticos, de opinar e construir o mundo em que este almeja viver.

Basta de não fazer nada pelos que se encontram em vulnerabilidade e somente erguer muros em condomínios fechados, sem saber o que fazer na próxima chacina, acuados pelo medo da violência, que pela indiferença, pela cobiça ou mesmo, pelo esquecimento erguemos dia a dia. Chegamos ao ponto de usar nas favelas cariocas o mesmo blindado usado contra negros na Africa do Sul em tempos de apartheid. Não é possível que continuemos acreditando que extermínios resolverão nossos problemas. Se não acreditamos, precisamos repensar a cidade, o excludente pacto urbano, dizer não as ações deste governo, e agir, abandonando a indiferença e atuando contra o ataque e a estigmatizaçãode pessoas, seres humanos, pobres e excluídos por questões muito mais sérias que falta de oportunidades.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O BASTA QUE QUEREMOS!

Ontem completou seis meses que o Riobodycount está contabilizando as mortes no Rio de Janeiro. Lamentavel como o Estado está tratando a situação... Hoje estou publicando um texto de uma Ativista Social e Professora que trabalha no municipio de nossa cidade. Eu, ela e todos os cidadãos do Rio de Janeiro dizemos: Já basta!
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Estes seis primeiros meses de 2007 guardam um número que nos leva a outro momento muito ruim da história fluminense. Há 18 anos, em 1989, 1175 pessoas foram mortas por grupos de extermínio na Baixada Fluminense. Hoje, 02 de julho, a nossa contagem está em 1229 mortos e 786 feridos. Nas últimas 12 horas foram 5 mortos e 2 feridos a mais... a última vez em que vi a contagem foi às duas da manhã... vou refazer as contas.

Será que alguém tem a dimensão do que possam ser 1229 mortos em seis meses? Eu fiz a conta... são 6,8 mortos por dia, 786 feridos... 4,3 por dia. Fazendo as contas... temos, por dia, mais de 10 pessoas atingidas diretamente nessa guerra.

Tantos falamos de tantas formas de se acabar com esse cenário de guerra em que vivemos... educação, reforma no sistema prisional, respeito ao cidadão, às leis, ao próximo...

E tudo é certo, tudo é altamente indicável aos nossos governantes para que apliquem (pelo menos aquilo que está fora de nosso alcance, como cidadãos). Mas a questão é: por que parece que tudo é feito de modo a piorar tudo? Por que um conflito no Complexo do Alemão motivado, oficialmente, para que se prendam os assassinos de dois policiais militares em 02 de maio seria mais importante para o governo, do que 5 mil crianças e jovens sem aulas há dois meses?

Quais são as prioridades do governo estadual? Queda de braço? Cabo de guerra com traficantes? Este Estado nunca teve uma política de segurança levada a sério. Nunca veio completa. E agora confunde-se estratégia de guerra com política de segurança. Como combater a violência? Ora, ora...com mais e mais violência. É assim desde Moreira Franco. É, aquele mesmo que prometeu acabar com a violência em 6 meses...

Eles se orgulham de ter uma polícia treinada com tática de guerrilha! Médicos respeitados até no Iraque pela sua experiência em socorro de emergência com armas de guerra!

E nós não temos nada. Absolutamente nada. Um pouco de revolta, mas não o suficiente para darmos um basta. Não um “basta” que trará dinheiro para ONGs em campanhas que tapam os buracos deixados pelo Estado, mas um basta de sermos feitos de palhaços. Temos medo também. Medo da violência. E não só da violência que mata de tiro. Medo da violência que mata de fome, de desprezo, de pavor, de vergonha, de abandono, de revolta, de dor, de falta de professor, de desesperança. Um medo que nos atinge a todos.

NOTÍCIAS DO COMPLEXO DO ALEMÃO E A DITADURA PARA OS POBRES

Minha indignação com o tratamento do Estado dado à população das favelas do Complexo do Alemão não é diferente do que sentia quando presenciava o mesmo no Borél, Santa Marta, Vigário, Acari e tantas outras comunidades que trabalhei. O diferencial é que atuava como um ativista social no embate, muita das vezes até próximo demais, contra os violadores de direitos humanos, assim como fazem hoje os líderes comunitários nas favelas, vivendo no "fio da navalha". Agora mesmo não atuando fisicamente como no passado, participo desse processo como observador e divulgador, aperfeiçoando meu trabalho com esse blog e em breve com o novo site da ANF. Hoje estou publicando um texto que faz uma avaliação dos acontecimentos do dia 27 de junho. Esse texto foi escrito por um companheiro de muitas lutas em comum, dois dias depois da desastrosa mega-operação.
Faço também uma indicação de um blog onde um morador do Complexo do Alemão relata a tal operação militar: www.jaenoticia.blogspot.com
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Desde ontem muita(o)s compas, a partir de informações passadas diretamente por moradores das favelas atacadas, ou colhidas no próprio local, tem revelado o que não era difícil de prever: que a grande maioria ou a quase totalidade das 19 mortes até agora comprovadas (parece que moradores estão realizando "buscas" na Grota, Fazendinha e matos próximos, pois desconfiam que há mais cadáveres) foram execuções sumárias, algumas vezes com requintes de crueldade. Outros elementos que atestam a inexistência de verdadeiros "confrontos": apenas um policial foi ferido (na Fazendinha, embora a maior parte das mortes aconteceram na Grota); moradores relataram que ouviram traficantes nervosos avisando a todos para vazarem, porque era muita polícia e não havia como enfrentar; só aconteceram duas prisões em toda a operação; policiais afirmaram que foi tudo uma "brincadeira" em que atiravam como "caçando patos".
A OAB denunciou que alguns dos mortos não estavam envolvidos com o tráfico, mas de fato essa não é a questão principal. Mesmo que todos estejam "envolvidos" (palavra genérica do jargão policial- jornalístico que inclui coisas muito diferentes, desde o garoto que entrega o almoço dos meninos até o traficante homicida que retalha suas vítimas a facão ou machado, desde o mais mal-pago dos fogueteiros até o gerente da boca cheio de grana), executar uma ação policial como um assassinato em massa planejado, é algo totalmente fora das mais elementares leis, garantias constitucionais e princípios de direitos humanos. Essa é a denúncia principal que devemos fazer. Não se trata também de buscar "abusos" na operação ou apontar sua "ineficiência" porque traficantes armados continuam a circular na área (esse tipo de informação pode servir mesmo para conclusões do tipo: tinha que matar mais então!). O alvo da nossa crítica deve ser a operação em si, uma clássica operação militar de cerco e aniquilamento com ordens de não fazer prisioneiros, ou seja, algo condenado até pelas convenções de Genebra para guerra.

Se definimos assim corretamente o objeto de nossa denúncia, somos levados imediatamente a uma constatação perturbadora. Desde 1990 (caso das Mães de Acari) o Rio de Janeiro tem sido traumatizado por chacinas horrendas executadas por policiais, mas até hoje o Estado, na maioria dos casos, se auto-inocentava dizendo que os assassinos agiram fora de serviço, que haviam "manchado a honra da corporação", etc. Claro que são desculpas esfarrapadas, em primeiro lugar porque o Estado em si, e a instituição policial em particular, tem responsabilidade direta por abrigar no seu interior tantos assassinos e bandidos, por formar e promover tantos homicidas e torturadores. Em segundo lugar porque, em praticamente todos os casos de chacina, mesmo os policiais fora de serviço tiveram colaboração ativa de seus colegas fardados, basta lembrar o massacre na Baixada em 31/03/2005. Quando não tem como negar que policiais em serviço mataram friamente, o Estado continua se auto-inocentando colocando a culpa nos indivíduos que teriam "se descontrolado", "se excedido", etc. Assim foi e continua sendo no caso do Borel, por exemplo.

Mas na chacina de dois dias atrás, a coisa está bem diferente. As declarações do secretário Beltrame e do chefe da Polícia Civil Gilberto Ribeiro, e do comandante do 16o BPM Marcus Jardim, foram todas no sentido de aprovação total da operação, mostrando-a como um modelo a ser repetido em várias outras favelas. Sobre as mortes, a justificativa de sempre: aconteceram em confrontos. Como esse argumento está cada vez mais desacreditado, indiretamente e nas entrelinhas esses senhores aos poucos estão ficando mais ousados, e justificando com frases pitorescas e macabras a tática de atirar, matar e não prender. Beltrame, por exemplo, bem merece o apelido de Quebra-Ovos, porque já virou um bordão seu "não é possível fazer uma omelete (ou um bolo) sem quebrar os ovos". Não deve ser diferente a opinião dos demais graduados da cúpula da segurança pública estadual e nacional que acompanharam a operação pessoalmente no 16o: o comandante da PM Ubiratan Ângelo e o da Força Nacional de Segurança coronel Luiz Antônio.

Isso quer dizer que, pela primeira vez, o Estado assume e justifica uma chacina no Rio. Esta é uma nova realidade política que, se nós, militantes de movimentos sociais, moradores de favelas e periferias e organizações de direitos humanos, não compreendermos completamente, corremos o risco de ficar presos a táticas e formas de atuação ultrapassadas. Depois do 27 de junho, não há mais condição de considerarmos o governo estadual, e talvez nem mesmo o governo federal, como interlocutores legítimos na luta por direitos humanos. São pessoas responsáveis por homicídios qualificados, porque premeditados. Pensar que atuamos nas condições de um Estado de direito é hoje não só uma ilusão, é um erro político grave que nos leva à derrota em nossa luta.

Insisti muito nesse ponto em todas as atividades da Rede que realizamos na recente viagem à Europa. O primeiro passo para travarmos uma luta conseqüente contra a violência do Estado, seja dentro ou fora do Brasil, é reconhecermos claramente que não existe um regime de garantias constitucionais no Brasil. A ditadura hoje só se abate sobre a população pobre e negra, e sobre os poucos movimentos sociais radicais que prosseguem sua luta, mas é ditadura assim mesmo. Não existe no Brasil um Estado com instituições auto- controladas conforme a teoria constitucional, mesmo a mais burguesa de todas. O que existe são instituições dominadas por estruturas mafiosas, uma espécie de confederação de máfias mal encoberta por uma legislação "democrática" que só vale no papel.

Mas, recentemente, algo mais se sobrepôs a essa máfia superdesenvolvida: a orientação estratégico-militar e mesmo o comando direto dos Estados Unidos da América. Claro que algo assim existe e nunca deixou de existir desde a ditadura militar, mas recentemente fatos importantes estabeleceram marcos de uma aproximação muito maior entre os aparatos de repressão daqui e de Washington. Ao nível federal, a experiência militar de guerra urbana das tropas brasileiras no Haiti, que não por acaso foi lembrada como inspiração pelo Beltrame para a operação do dia 27. Ao nível estadual, os encontros de Sérgio Cabral com autoridades norte-americanas (da polícia, da DEA e do próprio alto escalão, como foi a embaixadora Anne Patterson) e colombianas, e sua viagem à Colômbia.

Falando nisso, encontrei compas de Medellín durante os protestos contra o G8 em Rostock, eles me contaram da ação com participação do exército na favela Comuna 13 em 2002, e imediatamente percebi a semelhança quando li e ouvi os relatos da operação no Alemão. Os conceitos de guerra urbana e "guerra ao terror" formulados pela inteligência militar norte-americana estão presentes em cada passo e em cada detalhe da ação da FNS, da Core ou do Bope. O Globo de hoje traz uma ilustrativa entrevista com um policial civil, altamente treinado pela SWAT (EUA) e Cenimar (ditadura), que afirma que se "sairia muito bem" na Faixa de Gaza.

Entender que atuamos pressionando e combatendo, não um Estado de direito, mas uma estrutura mafiosa aliada à maior potência militar do planeta, é indispensável para que passemos a adotar táticas onde têm maior peso a mobilização de base, a denúncia clara e contundente, a desobediência civil e a luta direta. E não precisamos partir inteiramente do zero. Se a máfia estatal aprende com seus aliados dos EUA e Israel, temos felizmente muito o que aprender com as lutas das Madres e Hijos da Argentina, dos refugiados e imigrantes na Europa, das assembléias populares de Oaxaca (México) e El Alto (Bolívia), entre muitas outras.

Maurício Campos 29 de Junho de 2007.

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