sexta-feira, 28 de setembro de 2007

NOVE ANOS NO MORRO

O texto que estou publicando hoje é da autoria da poeta e artista Gisele Cesar, uma amiga-irmã de Caminhada.
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“Eu queria não sentir esse desejo de rebelião, eu queria abrir um canto que não soasse como o estrondo de um canhão.

Eu queria saber das bocas macias que me provocam o gosto desconhecido do amor e com meus pés descalços marcar fundo a história da terra deste chão.

Eu gostaria de entoar uma canção impatriota que falasse de todos os crimes que não cometi e que contasse dos casos dos bandidos que cheiram sem nariz.

Eu queria por um triz escapar do bem e do mal e viver à margem da escola nacional.

Eu queria te contar que os ruídos corroem o que não se pode ouvir e que as bocas só falam da TV o que se deve concluir.

Mas no Brasil com Z já não se sabe mais sambar o carnaval.

Eu queria olhar as crianças sem fuzis e cuspir do prato a fome que não comi, eu queria te contar como nasci, vendendo cola e registrando a marca da navalha com que me feri.

Eu queria que esse ódio no olhar embalasse o berço de ouro das crianças de Copacabana e no morro, no momento seguinte os meus nove anos, eu já fizesse vinte quadrilhas de corpos no chão.

Sou assim, sem correr perigo, um pesadelo civil, um umbigo, um menino, o teu pior inimigo.”

Depoimento dado por José Lúcio Clemente, vulgo “passinho”, ao delegado de polícia da FEBEM, por ocasião de sua apreensão por porte ilegal de armas e tráfico de drogas.
Passinho foi encontrado morto nesta madrugada com dois tiros na cabeça, a polícia suspeita de queima de arquivo, pois o menor, apesar de pouca idade, se movimentava com destreza pelas ruas da vadiagem da favela onde morava.

Gisele Cezar


Maringá, setembro de 2007.

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