Há quem diga que a real motivação do ENEM, ao contrário do que nos foi divulgado, não tem nenhuma relação com a educação ou mesmo com a democratização da educação. O Exame Nacional do Ensino Médio, na verdade, seria apenas parte de um projeto de poder de amplas proporções, projeto este que, idealizado no fim dos anos setenta, chegou ao poder máximo em 2002 e encontra agora, na conquista de seu terceiro mandato consecutivo, a sua consolidação definitiva. E isso sem precisar realizar quaisquer modificações em nossas leis, como vem se tornando comum em alguns países vizinhos.
Ernesto Clemente, um de meus alunos mais radicais e inflamados quando o asunto é política, ele mesmo um antigo militante do partido que ocupa atualmente o poder, defendeu esta posição com tanta veemência que quase me convenceu. Segundo ele, o ENEM teria como objetivo implícito retirar o poder das universidades por meio de uma redução de sua autonomia. Ele parte do princípio segundo o qual a independência e autonomia das instituições exerce um papel moderador que é fudamental em qualquer regime democrático.
Este princípio, aliás, merece um comentário adicional no que diz respeito à Filosofia, pois ele está na base mesma da Teoria da Separação dos Poderes ou simplesmente Tripartição dos Poderes de Estado, elaborada pelo filósofo francês Montesquieu (1689-1775) em sua obra O Espírito das Leis, publicada em 1748. Esta teoria, que está fundamentada na crença de que “só o poder freia o poder”, propõe uma tripartição do poder total em três poderes de escopo mais reduzido: Legislativo, Executivo e Judiciário. Esta teoria foi amplamente consagrada e adotada em inúmeras constituições modernas, inclusive na constituição nacional.
Quando observamos a natureza e a origem das universidades, podemos constatar que a autonomia e a liberdade acadêmica sempre foram características fundamentais. Esta autonomia e liberdade se refletem não apenas no que diz respeito ao cursos, pesquisas e teorias nelas desenvolvidas, mas também nas suas regras internas e nos seus critérios de admissão. Se estendermos a Teoria de Montesquieu a todas as instituições públicas, considerando também, além dos três poderes propriamente ditos, também as universidades e demais instituições, não teríamos assim, por meio da pluralidade, um maior equilíbrio democrático?
Como cada universidade possui um perfil específico e atende a demandas específicas, é mais do que natural que cada uma delas tenha seus próprios critérios de seleção. Temos que admitir também, a este respeito e considerando as principais universidades do país, que raramente acontecem problemas graves em seus vestibulares. No máximo, temos a anulação de uma questão ou outra, o que expressa o inegável grau de excelência destas instituições.
Apesar de bem argumentada, achei um pouco exagerada e paranóica esta posição do meu aluno. No entanto, há um ponto de suma importância que, como professor, considero constrangedor. Se o MEC, o órgão mais elevado na hierarquia educacional, pretende que o ENEM funcione como um substituto dos vestibulares, então é imprescindível que o nível do exame, em termos de segurança, organização e conteúdo seja superior ao nível dos vestibulares das principais universidades do país.
Como sabemos, este não é o caso. Temos aí não apenas um grande fiasco, mas um desrespeito com milhares de estudantes que se prepararam ao longo do ano. Não importa a motivação do ENEM. Se for parte de um amplo projeto de poder, como propôs meu aluno, ou simplesmente uma iniciativa benéfica, o fato é que, para ambos os propósitos, os responsáveis não possuem a competência necessária.
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Recomendo, a esse respeito, a leitura do texto “Os educatecas do Enem levaram bomba”, de Elio Gaspari. Rafael Huguenin - Professor de filosofia - Doutorando em filosofia pela PUC e membro do Conselho Diretor da Agência de Notícias das Favelas
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