terça-feira, 14 de julho de 2009

DIMINUTA CRÍTICA DE UM DRAMA

MORTE DE CRIANÇA É MATÉRIA PARA O BRASIL...
Mais uma vez lidamos com a invasão midiática em nossas vidas, com fatos dramáticos que nem sempre deveriam ser tão devassados com ocorrem. Que a mídia falada ou escrita cumpre um papel social não se discute, mas o que deve ser motivo de reflexão - como ocorre em alguns espaços sérios, a exemplo do programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil - é o aprofundamento pressionador dos telejornais, como os jornais da Rede Globo, o Fantásico, Brasil Urgente e tantos outros de qualidade altamente duvidosa, que direcionam visivelmente a interpretação dos fatos, para um público resignado, nem sempre atento as mensages subliminares e já conquistado por estes brados de vingança medieval (travestidos de justiça).

A pequena Rita de Cassia, de 5 anos, que, segundo notícias veiculadas (inclusive pelas imagens da câmera), jogou-se pela janela, resultou na prisão de Gilson e Fátima, seus pais, pelo argumento, do delegado, de que seriam os responsáveis. O crime, segundo o delegado, é o previsto no art. 133 do Código penal, denominado "Abandono de incapaz" que descreve a seguinte conduta: abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: pena: detenção de 6 a 3 anos. Se resulta morte: reclusão de 4 a 12 anos.

Após intervenção dos advogados dos pais, nesta data, foi concedia a liberdade aos mesmos, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Merece ampla atenção a dinâmica dos fatos transcorrida até o momento, pois a notícia deste evento suscitou a lembrança de outros fatos semelhantes, como é claro o da menina Isabela Nardoni. Contudo, neste restou mais fácil imprimir uma responsabilidade aos pais, coisa que não se efetivou facilmente nos corredores e arredores da "Justiça". Porém, o que significa uma morte de uma criança, com cinco anos de idade, para um família inteira? Uma tragédia ou um evento para a justiça? Certamente que inicialmente será uma tragédia familiar, e consequentemente, havendo indícios de vontade ou negligência, a responsabilização pela ocorrência do fato, por parte dos órgãos estatais. Mas, parece que tais aspectos inverteram-se absolutamente, deixando de ser uma corrosão superdimencionada na família, para ser mais um caso de "polícia". Todavia, se ainda for preciso conduzir desta forma os fatos, certamente por uma pressão midiática, travestida no simples dever de informar a sociedade, que seja feita com prudência e profissionalismo.

Resulta, pois, que o fato seja PERFEITAMENTE ENQUADRADO AO TIPO PENAL, isto é, ao modelo abstrato de crime, para que, de início, seja procedida a reação de acordo com os princípios fundamentais do Direito Repressivo Penal. Assim, somente por esta tendência legalista poderíamos, possivelmente feito pelos advogados, questionar a decisão do delegado, de solicitar, imediatamente, a prisão dos pais, vez que o crime, se é que ocorreu algum, segundo o entendimento questionável do delegado, e imputado aos mesmos, foi o já citado Abandono de Incapaz. Mas, para falarmos em crime é preciso analisar, de total início, da conduta realizada. A conduta dos pais pode, para fins de prisão de alguém que acabou de perder a filha, ser considerada ABANDONO? Por que não o crime de "expor a perigo", conforme o art. 132? Ou mesmo o homicídio culposo? Por que as penas são baixas, comparadas as de outros crimes, e portanto poderiam ser rejeitadas pelos tribunais televisivos?

O dicionário nos auxilia definindo que esta expressão significa: ato ou efeito de abandonar. Estado ou condição de quem ou do que está abandonado, largado...Deveríamos realmente indagar: os pais ABANDONARAM a filha, dentro de casa, temporariamente...? Não parece-nos contraditório afirmar que alguém foi abandonado dentro da própria casa, por um curto espaço de tempo? Seria este mesmo o crime praticado, se é que realmente houve um crime? Confundiu-se o dever profissional com a necessidade de atender algum apelo social, considerando os tumultos processuais do caso Isabela Nardoni?

São questões que precisariam ser pensadas, sem o calor emocional ou institucional de um canal de televisão, para que a decisão de solicitação de prisão ocorresse com mais segurança e coerência. Sem falar em qualquer postura mais humana ou compadecida, que também poderia ser levada em consideração. Mas, se estas não são hipóteses razoáveis, que o delegado realize suas ações com mais rigor técnico, demonstrando que conhece bem a matéria, e que não se desloca de acordo com os empurrões da leiga mídia.

Sejamos, então, mais atentos aos termos que usamos, pois, em vários casos, a linguagem deixa de ser apenas um símbolo, uma roupagem, para se transformar na justificativa de uma prisão, um sofrimento maior...dor, muita dor! A prudência setorna a rainha da coerência.

Aderlan Crespo
Advogado Criminalista e professor de Direito Penal
Autor do livro "Curso de criminologia - As relações políticas e jurídicas sobre o crime"

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