sexta-feira, 5 de junho de 2009

POR QUE ELES NÃO GOSTAM DE ESTRANGEIROS? - Por José Luis Patrola



Acabei de receber um e-mail de um grande amigo que está no Haiti. Ele acaba de me enviar o texto abaixo texto abaixo para ser publicado/divulgado. É um prazer saber notícias de um companheiro de lutas!




Haiti, maio de 2009

Por que eles não gostam de estrangeiros?

Nesta semana estivemos, com nossa brigada, no departamento de Artibunite. O mesmo onde os ciclones foram arrasadores. Conhecemos a região produtora de arroz que entrara em estado de abandono após a abertura comercial e a ampliação das exportações procedente dos Estados Unidos. Atualmente o Haiti é o quarto maior importador de arroz norte americano.

Nos textos que venho escrevendo, numa tentativa de dar visibilidade ao lado cômico, pitoresco, mas absolutamente real de nossa vivência nessas terras, procuro esclarecer informações que jamais a conheceremos fora da vivencia cotidiana. Por isso as compartilhamos.

De modo geral, os haitianos não gostam de estrangeiros. A explicação básica para esse fenômeno está na história recente do país, para não retomar a independência de 1804 e a guerra contra o exército de Napoleão. Vamos olhar rapidamente para os últimos cem anos. De 1915 a 1934 uma ocupação militar norte americana gerou enormes batalhas de resistência contra o estrangeiro invasor. De 1957 a 1986 uma ditadura militar absolutamente comandada pelos Estados Unidos calou as vozes haitianas. O sobrenome “Duvalier” (Jean Jacques Duvalier e seu filho Jean Claud Duvalier governaram Haiti nesse período) não podia nem se quer ser pronunciado em público. O temor era enorme. 30 mil comunistas foram mortos. 10 mil por ano foi a média.

Em setembro de 1991, após a queda do legítimo presidente eleito por um forte movimento de massas, Jean Bertran Aristides, um golpe militar violentíssimo e efetivado por militares dos Estados Unidos calou o país por mais 3 anos. Fala-se em quatro mil mortos mais 12 mil militantes sociais induzidos a migrarem para os Estados Unidos. Em fevereiro de 2004 uma nova ocupação militar comandada pelos mesmos especialistas derrubou outra vez o governo de Aristides.

Nos últimos anos, após o agravamento da crise econômica no Haiti, centenas de milhares de camponeses haitianos migram ilegalmente para a vizinha República Dominicana em busca de trabalho. De alguma forma eles o encontram. A base da mão de obra utilizada na economia agrícola e na construção civil naquele país é haitiana. O país vizinho é tido como promissor. O Haiti é pobre. É conhecida por todos a história de que os dominicanos se aproveitam do nível de pobreza dos camponeses haitianos para os explorarem. No país vizinho, pela mão-de-obra negra haitiana paga-se um terço, ou as vezes 50% do valor mínimo por um dia de trabalho. Os depoimentos de violência a maltrato são muitos. Por todo o interior do Haiti encontramos camponeses que tiveram a experiência de viver no país vizinho.

No dia 02 de maio de 2009 um haitiano foi barbaramente assassinado em uma praça em Santo Domingo. Esse camponês foi degolado. A notícia ganhou destaque em todos os meios de imprensa no Haiti gerando uma indignação generalizada. Aqui o país é pequeno e realmente a indignação foi generalizada.

No dia 21 de maio saímos pela manhã em seguida atolamos nosso carro em um lamaçal. Como a zona rural muito povoada, muitas pessoas passavam e viam nossa situação. Muitos foram as provocações tais como; “vamos tirar dinheiro desses brancos” “os brancos estão atolados” “não vamos ajudar esses caras, eles cortam a cabeça dos haitianos”. Nossa compreensão do idioma ainda é fraca, mas percebemos tudo em matéria de sobrevivência...

A situação se agravou com a chegada de um caminhão. Apesar de tudo, nosso veículo interrompia o tráfico na pequena estrada. O motorista do caminhão estava muito nervoso com nossa presença perturbadora. O camponês que lhe acompanhava também. Já havia umas 15 pessoas paradas ao redor de nós. Algumas crianças nos ajudavam... Os “chingamentos” se generalizaram, comandados pelo motorista do caminhão, até que o
militante que nos acompanhava deu uma excelente explicação, quase gritando, sobre a solidariedade dos Movimentos camponeses do Brasil para com as organizações camponesas haitianas. Agora em Kreyiol; “Neg sayo, yo pa milité! Neg sayo, yo pa dominiken! Neg sayo, yo zami nou! Yo zami oganizasyon peysan yo! (Esses caras não são militares! Esses caras, não são dominicanos! Esses caras são nossos amigos! Eles são amigos das organizações camponesas!). Após esse momento de tensão e de explicações sobre nossa presença muitos tiraram os calçados e entraram na lama conosco para empurrar o veículo. Em seguida saímos do lamaçal...

Eis algumas razões pela aversão aos estrangeiros...

Jose Luis Patrola

Professor de história, membro do MST e coordenador da brigada de cooperação entre a Via Campesina Brasil e organizações camponesas haitianas

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